
Crô e Félix são marcos recentes da TV Brasileira quando o assunto são personagens LGBT. No entanto, não são os únicos. Desde os anos 1960 a população LGBT é representada nas telinhas. Aliás, Crô, vivido brilhantemente por Marcelo Serrado, tem inspirações nos anos 1970. Afinal, o mordomo afeminado que vive para dar brilho, humor e glamour à madame rica não é lá uma novidade, né?
Ademais, nos últimos anos, o tal do ‘beijo gay’ virou motivo de polêmica entre os setores mais conservadores da sociedade. Contudo, é preciso lembrar que as novelas ainda nem faziam sucesso quando duas mulheres se beijaram pela primeira vez em frente as câmeras.
A moda da época era o teleteatro, da TV Tupi. No ano de 1963, em Calúnia, Vida Alves e Geórgia Gomide, que interpretavam Karen e Martha, respectivamente, trocaram um selinho em frente às câmeras. No entanto, parece que o beijo lésbico era mais comum que o gay. Afinal, foi só em 1990 que dois homens se beijaram pela primeira vez na televisão. No seriado Mãe de Santo, da Rede Manchete, sob a sombra de dois homens, apareceu o primeiro beijo de dois homens.
A luz de Tieta

Vinte e seis anos depois de Calúnia, foi Tieta (atualmente disponível no Globoplay) que trouxe uma das travestis mais icônicas da teledramaturgia brasileira: Rogéria interpretou Ninete na novela de Aguinaldo Silva. Seria injusto desconsiderar as 25 novelas e seriados que apresentaram personagens LGBT entre Calúnia e Tiete. Contudo, não dá para citar todo mundo aqui. E Tieta tem um dos monólogos mais incríveis de defesa das trevestis da televisão brasileira. O sermão da protagonista no sobrinho é tão icônico que vale a pena revê-lo.
Em 1995, uma polêmica tomou conta da sociedade brasileira. Drag Queen, travesti ou transexual? Em Explode Coração, a personagem de Floriano Peixoto, Sarita Vitti, deixou todo mundo com a dúvida na cabeça. Bom que deu para separar cada um no seu quadrado.
Drag Queen é um homem que se personifica como mulher para dar vida a um personagem; Travesti é um homem que se veste de mulher e se sente bem assim; transexual, por sua vez, é uma pessoa que não se identifica com o sexo biológico de seu nascimento, por isso, pode (ou não) passar por um processo de transição de sexo.
Ainda nos anos 1990, Manoel Carlos nos apresentou Rafael e Alex. Interpretado por Odilon Wagner, Rafael levantou a discussão da bissexualidade nas novelas. O personagem terminou o casamento com a esposa para ficar com Alex, vivido por Beto Nasci.
Ser LGBT nas novelas no Terceiro Milênio…
Em 2001, foi uma personagem de Claudia Raia que trouxe à tona a discussão a respeito das mulheres transexuais para as novelas. Na faixa das sete, Ramona volta para o Brasil completamente transformada, numa mulher linda. Obviamente, a família teve seus obstáculos para aceita-la de volta. Ainda assim, Ramona superou o preconceito brilhantemente, esbanjando o esplendor típico de Claudia na trama.
Em Mulheres Apaixonadas, em 2002, Clara e Rafaela (Alinne Moraes e Paula Picarelli) movimentaram o Brasil. Por incrível que pareça, a homofobia foi calada pela torcida para que o casal ficasse junto da trama de Manoel Carlos. Na reta final, elas interpretaram o último beijo de Romeu e Julieta numa peça da escola. Foi uma comoção nacional.
Posteriormente, em 2005, outro casal gay movimentou a torcida do público: Júnior e Zeca (Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro). Os dois passaram a trama toda de Glória Perez numa tensão que mobilizou o país. Tanto que, na reta final, um beijo foi gravado para ir ao ar. No final das contas, não rolou.
Enquanto isso, na maior naturalidade da vida, em 2007, Rodrigo e Tiago (Carlos Casagrande e Sérgio Abreu) viveram um casal em Paraíso Tropical. Sem grandes romances, trocas de carícias ou qualquer coisa do tipo. Eram casados, mas poderiam ser dois amigos dividindo um apartamento. Ainda que toda a trama do casamento estivesse lá.
Retrocessos e avanços
Na segunda versão de Tititi (2010), Armando Babaioff viveu o valentão Thales. O personagem retratou toda a história de como é o processo de aceitação para depois ‘sair do armário’. A trama rendeu boas discussões.
Em 2012, o SBT exibiu seu primeiro beijo entre duas mulheres. Na novela amor e Revolução a história de que a cena iria ao ar virou um burburinho no país todo. Foi também nessa época que reacendeu a discussão sobre beijos da população LGBT em frente às câmeras (como se nunca tivesse ocorrido anteriormente).
No mesmo período, a Record, com todo seu conservadorismo, trouxe uma personagem transexual para as telinhas. Em Vidas em Jogo, Denise Del Vecchio deu vida a Augusta.
Em 2013, a Globo trouxe seu maior elenco LGBT numa trama. Foram oito personagens em Sangue Bom, de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari. No total, eram 4 homens gays, uma travesti e três mulheres lésbicas. Um babado colorido na faixa das sete.
Enquanto isso, na faixa das nove, o Brasil conhecia Félix, uma bicha má. Interpretado por Mateus Solano, no final da história, o vilão entrava na linha e encontrava um amor para a vida toda, Niko (Thiago Fragoso).
23 anos depois do primeiro beijo entre homens nas novelas, o beijo final dos dois foi um acontecimento recheado de polêmicas. Tanta gente contra e um verdadeiro auê a favor. Nem parecia que entre 2003 e 2005 o mesmo país tinha torcido por um casal de jovens lésbicas e outro de jovens gays.
Ícone não se aceita, se venera…

Em Babilônia, duas estrelas da dramaturgia brasileira viveram um casal lésbico: Natália Timberg e Fernanda Montenegro deram vida a Teresa e Estela. Logo no início da novela, as duas recebem a notícia de que vão, finalmente, poder transformar sua união estável em casamento.
Enquanto isso, na faixa das seis, em Orgulho e Paixão, Luccino e Otávio deram vida a um amor tão genuíno que acabou com um quase pedido de casamento. Eles se tornaram vizinhos e tinham uma ‘porta secreta’ que ligava as duas casas. Assim, não levantariam suspeitas de sua relação.
Afinal, a novela se passava em 1910. Vividos por Pedro Henrique Müller e Juliano Laham, o casal ganhou um fandom tão fiel que teve até ship: Lutávio. Rolou fan-art e páginas nas redes sociais dedicadas a eles.
fiz um compilado de momentos do luccino e otávio {lutávio} de "orgulho e paixão" e gostaria de compartilhar esse casal maravilhoso com vocês pic.twitter.com/Qa7XWB79Ky
— henri (@henrrrque) August 29, 2018
Em 2019, Glamour Garcia viveu Britney, uma mulher trans em A Dona do Pedaço. Foi, mais uma vez, uma oportunidade e tanto de discutir os espaços que mulheres trans ocupam na sociedade. Neste caso, principalmente, como elas são marginalizadas no mercado de trabalho. Finalmente, a trama rendeu a Glamour o troféu Melhores do Ano de Melhor Atriz Revelação. Sucesso.
No ar…
Em reprise no Vale a Pena Ver de Novo, Êta Mundo Bom traz um casal gay que só aparece no finzinho da trama. Ainda que Lauro e Tobias deem a entender o sentimento que sentem um pelo outro ao longo de toda a trama.

Já na faixa das sete, em Totalmente Demais, Max vive um drama com a família. Afinal, os pais não sabem que ele é gay. Numa visita ao Rio de Janeiro, o booker acaba saindo do armário por não conseguir sustentar uma farsa de sua sexualidade.
Já na faixa das nove, Crô merece destaque. Afinal, até filme ganhou. O personagem de Marcelo Serrado, que vive um romance secreto, tem raízes nos anos 1970. Em Dancin’ Days Everaldo, vivido por Renato Pedrosa, foi o primeiro mordomo caricato da televisão.
O formato deu tão certo que rende até hoje. Aliás, fora das telinhas, nos bastidores de eventos, é super comum ver modelos e divas rodeadas de amigos gays, maquiadores, cabeleireiros, estilistas particulares. O estereótipo não é tão encenado assim.

Pra não dizer que não falei das flores…
A teledramaturgia brasileira já contou mais de 300 personagens LGBT em frente às câmeras. Ao longo de mais de 60 anos de história, criticar ou ainda menosprezar personagens e suas tramas é, no mínimo, criar pano para uma discussão que não cabe mais. No final das contas, resistir é inútil. Até porque, a dramaturgia serve para representar e contar histórias da sociedade. E a população LGBT está aí para isso.